segunda-feira, 15 de junho de 2009

Coisas que não há que há

Uma coisa que me põe triste
é que não exista o que não existe.
(Se é que não existe, e isto é que existe!)
Há tantas coisas bonitas que não há:
coisas que não há, gente que não há,
bichos que já houve e já não há,
livros por ler, coisas por ver,
feitos desfeitos, outros feitos por fazer,
pessoas tão boas ainda por nascer
e outras que morreram há tanto tempo!
Tantas lembranças de que não me lembro,
sítios que não sei, invenções que não invento,
gente de vidro e de vento, países por achar,
paisagens, plantas, jardins de ar,
tudo que nem eu posso imaginar
porque se o imaginasse já existia
embora num lugar onde só eu ia…
Manuel António Pina
in, O Pássaro da Cabeçaedições QUASI

ilustração de Joana Quental

terça-feira, 26 de maio de 2009

LEVAVA UM JARRINHO

Levava um jarrinho
Para ir buscar vinho.
Levava um tostão
para comprar pão
e levava uma fita
para ir bonita.
Correu atrás
de mim um rapaz:
Foi o jarro para o chão.
Perdi o tostão,
Rasgou-se-me a fita...
Vejam que desdita!
Se eu não levasse um jarrinho
nem fosse buscar vinho
nem trouxesse a fita
para ir bonita
nem corresse atrás
de mim um rapaz
para ver o que eu fazia
nada disto acontecia
Fernando Pessoa

ilustração, Alunos do Jardim-de-Infância do B.º Padre Cruz

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Charada da Bicharada 2

(clique na imagem para ver em grande)
texto de Alice Vieira
ilustração de Madalena Matoso
in, A CHARADA DA BICHARADA
Texto editora

sexta-feira, 24 de abril de 2009

BRINQUEDO

Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino de bibe.

O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela;
Presa pelo cordel à sua mão.

Mas tão alto subiu
Que deixou de ser estrela de papel,
E o menino ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe o cordel.

Miguel Torga



ilustração, Alunos do Jardim-de-Infância do B.º Padre Cruz

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Charada da Bicharada 1

(clique na imagem para ver em grande)
texto de Alice Vieira
ilustração de Madalena Matoso
in, A CHARADA DA BICHARADA
Texto editora

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Era uma vez um menino e uma menina

Era uma vez um menino e uma menina.Andavam a brincar muito felizes quando apareceu um malvado lobo mau. Era tão mau, tão mau que os queria comer.Mas as boazinhas nuvens de chuva fizeram uma grande chuvada em cima do lobo.O lobo fugiu todo molhado e constipado e depois apareceu o sol.
Texto de Pedro, 5 anos
Anilina sobre lápis de cera por
Hugo, 5 anos

terça-feira, 31 de março de 2009

PINGA O PINGO


Pinga o pingo da torneira
Pinga pinga
Pinga o pingo
Que amanhã já é domingo
E depois segunda feira
Pinga o pingo da torneirana banheira
terça feira
quarta feira
Pinga de toda a maneira
quinta feira
sexta feira
Falta pouco p’ra domingo
Pinga o pingo Pinga pinga
Pinga o pingo da torneira.

José Fanha(do livro a sair em breve "CANTIGAS E CANTIGOS PARA FORMIGAS E FORMIGOS")

segunda-feira, 16 de março de 2009

A Ana quer

A Ana quer
nunca ter saído
da barriga da mãe.
Cá fora está-se bem
mas na barriga também
era divertido.

O coração ali à mão,
os pulmões ali ao pé,
ver como a mãe é
do lado que não se vê.

O que a Ana mais quer ser
quando for grande e crescer
é ser outra vez pequena:
não ter nada que fazer
senão ser pequena e crescer
e de vez em quando nascer
e voltar a desnascer.
Manuel António Pina
in, O Pássaro da Cabeça
edições QUASI

ilustração de Joana Quental

segunda-feira, 9 de março de 2009

CONSULTA

Um senhor doutor
colheu uma flor
para pôr ao peito
e todo vaidoso
foi para o consultório
muito satisfeito.
Chegou um doente
e disse o doutor:
- eu tenho uma flor!
- eu tenho uma flor!
E disse o doente
muito de repente:
- e eu tenho uma dor!
- e eu tenho uma dor!
Maria Alberta Menéres
ilustração, Alunos do Jardim-de-Infância do B.º Padre Cruz

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Principezinho e a Raposa


- Anda brincar comigo, disse o principezinho. Estou tão triste…
- Não posso brincar contigo, disse a raposa. Ainda ninguém me cativou.
- Há! Perdão, disse o principezinho.
Mas depois de ter reflectido acrescentou:
- Que significa «cativar»?
- Tu não deves ser daqui, disse a raposa. Que procuras?
- Procuro os homens, disse o principezinho. Que significa «cativar»?
- Os homens, disse a raposa, têm espingardas e caçam. É uma maçada! Também criam galinhas. É o único interesse que lhes acho. Andas à procura de galinhas?
- Não, disse o principezinho. Ando à procura de amigos. Que significa «cativar»?
- É uma coisa que toda a gente se esqueceu, disse a raposa. Significa «criar laços…»
- Criar laços?
- Isso mesmo, disse a raposa. Para mim não passas, por enquanto, de um rapazinho em tudo igual a cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu não precisas de mim. Para ti não passo de uma raposa igual a cem mil raposas. Mas, se me cativares, precisaremos um do outro. Serás para mim único no mundo. Serei única no mundo para ti…
- Começo a compreender, disse o principezinho. Existe uma flor… creio que ela me cativou.
- É possível, disse a raposa. Vê-se de tudo à superfície da terra…
- Oh! Não é na terra, disse o principezinho.
A raposa mostrou-se intrigada.
- Noutro planeta?
- Sim
- Há caçadores nesse planeta?
- Não.
- A perfeição não existe, suspirou a raposa.
Mas voltou à mesma ideia:
- Levo uma vida monótona. Eu caço galinhas e os homens caçam-me a mim. Todas as galinhas são iguais e todos os homens são iguais. Por isso me aborreço um pouco. Mas se tu me cativares, será como se o sol iluminasse a minha vida. Distinguirei, de todos passos, um novo ruído de passos. Os outros passos fazem-me esconder debaixo da terra. Os teus hão-de atrair-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Vês lá adiante os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me dizem nada. E é triste. Mas os teus cabelos são cor de oiro. Por isso quando me tiveres cativado, vai ser maravilhoso. Como o trigo é doirado, fará lembrar-me de ti. E hei-de amar o barulho do vento através do trigo…
A raposa calou-se e olhou por muito tempo para o principezinho.
- Cativa-me, por favor, disse ela.
- Tenho muito gosto, respondeu o principezinho, mas falta-me tempo. Preciso de descobrir amigos e conhecer muitas coisas.
- Só se conhecem as coisas que se cativam, disse a raposa. Os homens já não têm tempo para tomar conhecimento de nada. Compram coisas feitas aos mercadores. Mas como não existem mercadores de amigos, os homens já não têm amigos. Se queres um amigo, cativa-me.
- Como é que hei-de fazer? Disse o principezinho.
- Tens de ter muita paciência, respondeu a raposa.

Antoine de Saint-Exupéry
texto e ilustração, do livro O Principezinho